
Após um pequeno hiato por motivos astrais (falta de tempo, mermo…), é hora de voltarmos a movimentar as coisas por aqui. E já chegamo com os dois pés no peito, com uma faixa que também marca outro retorno kármico. Falamos do rapper paulista Amiri.
Não tão consagrado no cenário mainstream, Amiri é um dos artistas da nova geração do rap mais respeitado, sobretudo pelo rap underground.
Com uma discografia pequena, porém bastante impactantes, o rapper de anos conta com dois EPs e duas mixtapes, além de singles (como esse que aqui vos posto) e um trabalho com a galera safa do projetonave.
Mas apesar da fluência fácil de trabalhos bem feitos, lírica invejável, flow afiadíssimo, e da frequência em que foram lançados - exatamente um por ano desde 2012 - após esses anos de produção e contribuição pro ritmo e poesia brasileira, Amiri parou por instantes de atuar no rap. De imediato foi apoiado e acalentado por artistas, colegas e fãs, mas pra explicar isso existe uma história, um contexto, como todo agora é precedido por algo, alguém ou alguma coisa.
A fita é que em meados de 2013, Amiri foi diagnosticado com depressão. Segundo o próprio, sua ansiedade foi se transformando por conta de algumas tragédias pessoais, o que o afetou seriamente, fazendo-o decidir encerrar sua participação como agente formador na história do rap, e pendurar as chuteiras. Em 2014, com o passar do tempo e com cada vez mais certeza, Amiri preparava seus últimos suspiros na cena, que mais pareciam gritos de resistência. Desde aí, a vontade e o ímpeto do jovem paulista só aumentavam, e numa conversa com o mestre Parteum, o rapper teve o insight necessário para um estopim. Uma reviravolta. Uma volta, um contra-ataque.
E após esse grande grito de resistência, num fluxo de energia cósmica e ancestral, Amiri volta à cena pra dar um jab nos vermes racistas desse mundão com a faixa “Apollo/Rude Bwoy”, música que possivelmente integrará o próximo disco de Amiri, previsto pra sair nos próximos meses, ao contrário de “Monster Freestyle”, não confirmada na tracklist.
No som da vez - lançado anteontem, 24 de Outubro - o rapper dispara rajadas de flow, métricas e rimas multi-silábicas que acrescentam bem a base e ao ritmo denso da trap que inicia a dobradinha, com o rapper descendo o machado estilo Xangô. O rapper rebate críticas, assim como bate em mcs genéricos e em letras sem conteúdo, problematizando e elevando o nível lírico do rap nacional mais uma vez. Amiri também comenta sobre padrões introjetados no rap e na mídia, assim como rimas sobre preconceitos, e com toda aquela identidade afro forte que vai tomando de assalto também os beats, com um batuque de fundo e o beat oscilando e puxando pro boom-bap e claras influências do ragga e do miami bass, é a força ancestral e da diaspora dançando com a lírica afiada do MC.
Em tempos da cólera do conservadorismo, é muito bom termos artistas como Amiri, que utiliza na arte todo reflexo de sua vida e seus anéis de saturno, sua sensibilidade e militância/orgulho negro e periférico pra esclarecer muita coisa sobre o rap e suas “letra paia”, arte, racismo (sim, ele existe) dentre outras coisas e mostrar que depressão não é drama ou vitimismo, assim como o racismo velado e outras questões sérias enraizadas na nossa sociedade.
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Pra ler a carta de Amiri (resumindo tudo que aconteceu e o motivo do hiato), clique aqui. Vale o clique, tanto quanto no download. Pedrada!